O Brasil ostenta o título de campeão mundial em riqueza de plantas, um verdadeiro paraíso botânico. Essa megadiversidade, como afirma o renomado botânico Valdely Kinupp em seu livro “Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil”, esconde um tesouro de 351 espécies alimentícias subutilizadas, pouco conhecidas e negligenciadas pela população brasileira.

Um exemplo emblemático dessa riqueza é o buriti, fruto de uma palmeira majestosa que pontua a vastidão da Amazônia e do Cerrado. Ostentando o título de fruto mais rico em carotenoides do mundo, o buriti brinda o Brasil com 60 e 70 milhões de toneladas anuais. No entanto, apenas uma minúscula parcela desse tesouro natural é aproveitada pela população.

Rico em carotenoides, especialmente betacaroteno, o buriti ostenta um poder antioxidante excepcional, capaz de auxiliar na prevenção de diversas doenças, incluindo o câncer.

Buriti
Buriti

Além de seus benefícios à saúde, o buriti também se destaca por sua versatilidade na culinária. Sua polpa pode ser consumida in natura, na forma de sucos, vitaminas e até mesmo sorvetes. A farinha de buriti enriquece pães, bolos e outros pratos, conferindo-lhes um sabor único e nutritivo. Doces e compotas também podem ser preparados com o buriti, agradando paladares exigentes.

Valdely Kinupp mostra tubérculo gigante do cará-de-espinho

Outra espécie é o cará-de-espinho, uma trepadeira nativa das regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste que produz tubérculos comestíveis que podem ultrapassar 180 kg. Os tubérculos podem ficar armazenados por até 120 dias fora da geladeira sem apodrecer e podem ser consumidos como a batata (frita, cozida, em purê) ou virar farinha. Hoje, no entanto, essa espécie só é consumida em aldeias indígenas e em comunidades rurais no Baixo Amazonas.

Hortaliças espontâneas: nutritivas, resistentes e subestimadas

Em meio às plantações, nascem tesouros nutritivos e resistentes: as hortaliças espontâneas comestíveis. O caruru, com folhas ricas em propriedades semelhantes ao espinafre e sementes com 17,2% de proteínas, e a beldroega, rica em ômega-3, vitaminas B e C e propriedades antioxidantes, são exemplos.

Caruru

Mas, ironicamente, muitos agricultores as combatem com herbicidas antes de plantar espécies exóticas. Em muitos casos, essas novas plantas são menos nutritivas, mais suscetíveis a pragas e dependentes de fertilizantes caros.

Nuno Rodrigo Madeira, agrônomo da Embrapa e especialista em hortaliças, explica que a resistência das hortaliças espontâneas as torna mais nutritivas. “Elas não são adubadas, então disparam processos metabólicos para sobreviver à adversidade, o que as torna mais ricas em nutrientes”, afirma.

Beldroega

As Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs) não se limitam apenas a plantas exóticas ou pouco conhecidas. No universo das PANCs, também encontramos tesouros comestíveis escondidos em partes que geralmente descartamos de plantas que já consumimos. Vamos explorar alguns exemplos:

1. A banana:

  • Casca: Rica em fibras, potássio e antioxidantes, a casca da banana pode ser assada, desidratada ou transformada em farinha, adicionando sabor e nutrientes a diversas receitas.
  • Coração: O “coração” da banana, também conhecido como umbigo ou mangará, é rico em potássio e fibras. Pode ser cozido, refogado ou até mesmo grelhado, substituindo o palmito em diversas receitas.
  • Inflorescência masculina: Essa parte roxa ou arrocheada que cresce no final do cacho da banana, após a formação do cacho principal, é um verdadeiro sugador de energia para a planta. Removida pelos produtores, ela pode ser aproveitada em casa para recheios de tortas, saladas e até mesmo pizzas.

2. O palmito da bananeira:

  • Escapo central: O escapo central da bananeira, muitas vezes descartado, é um palmito delicioso e nutritivo. Pode ser enlatado, conservado em picles ou desidratado para consumo posterior.
  • Sal de cozinha: Queimando e calcinando o palmito desidratado, você obtém um sal de cozinha natural e rico em minerais.

Dicas para aproveitar as PANCs da banana:

  • Conserve as cascas: Lave bem as cascas da banana, corte em pedaços pequenos e congele. Desidrate ou asse antes de usar.
  • Cozinhe o coração: Corte o coração da banana em fatias finas e cozinhe em água fervente por alguns minutos. Refogue com alho e cebola ou use em saladas e tortas.
  • Experimente a inflorescência: Corte a inflorescência masculina da banana em pedaços pequenos e refogue com alho e cebola. Use como recheio de tortas, saladas ou até mesmo pizzas.
  • Aproveite o palmito: Retire o escapo central da bananeira e corte em fatias finas. Cozinhe em água fervente por alguns minutos e use em saladas, tortas ou conserve em picles.
  • Faça seu próprio sal: Desidrate o palmito da bananeira, queime e calcine até obter um pó fino. Esse pó é um sal de cozinha natural e saboroso.
“Coração” da banana

3. O mamão:

O mamão, apesar de ser consumido como fruta, guarda um em seu interior: a medula, também chamada de miolo. Essa parte central do caule, muitas vezes descartada, é um tesouro nutritivo e versátil que merece ser descoberto. Poucos sabem que o mamão é uma erva gigante, não uma árvore, e que sua medula é comestível. A medula, rica em nutrientes, é geralmente descartada, enquanto a fruta é utilizada em sobremesas e sorvetes (muitas vezes com essência artificial). A medula pode ser usada em diversos pratos, como saladas, legumes, maionese, espessante e até mesmo na produção de cocadas.

Benefícios da medula do mamão:

  • Rica em fibras: Ajuda na digestão e no controle do colesterol.
  • Fonte de vitaminas e minerais: Vitamina A, C, potássio, cálcio e fósforo.
  • Propriedades antioxidantes: Combate os radicais livres e previne doenças.
  • Sabor suave e versátil: Combina com diversos temperos e ingredientes.

Como aproveitar a medula do mamão:

  • Cozinhe: Cozinhe a medula em água fervente por alguns minutos até ficar macia.
  • Refogue: Refogue a medula com alho, cebola e outros temperos de sua preferência.
  • Asse: Asse a medula no forno com azeite, ervas e especiarias.
  • Adicione a saladas: Corte a medula em cubos e adicione a saladas frescas.
  • Use como espessante: Cozinhe a medula e bata no liquidificador até formar um creme para usar em sopas, molhos e cremes.
  • Faça cocadas: Rale a medula e use-a na receita de cocada tradicional.
  • Conserve as sementes: As sementes do mamão são ricas em nutrientes e podem ser usadas como vermífugo, tempero ou até mesmo transformadas em farinha.
Mamoeiro 

Alfabetização Botânica: Garantindo Autonomia e Soberania Alimentar

Em uma entrevista à culinarista Bela Gil, Valdely Kinupp defendeu a importância da alfabetização botânica para o brasileiro. Segundo ele, o conhecimento das plantas comestíveis presentes em nosso entorno nos garante autonomia alimentar, especialmente em tempos de incertezas e escassez.

Soberania Alimentar:

Kinupp afirma que a dependência de alimentos externos coloca em risco a nossa autonomia alimentar. Ao investir no consumo e na produção de PANCs, o Brasil reduz essa dependência e fortalece sua segurança alimentar. Isso significa menos vulnerabilidade a crises internacionais e maior controle sobre os recursos alimentares da nação.

Soberania Nacional:

A riqueza em PANCs representa um patrimônio genético inestimável para o Brasil. Ao valorizar e explorar esse potencial, o país se posiciona como um protagonista no cenário global de segurança alimentar e biodiversidade. Essa valorização contribui para a soberania nacional, protegendo nossos recursos e garantindo a autonomia do país em relação à produção de alimentos.

A necessidade de uma política pública séria para as PANCs:

Segundo Valdely Kinupp é necessário a laboração de leis e normas que reconheçam e valorizem as PANCs, garantindo sua preservação e utilização sustentável, é crucial para protegermos esse patrimônio natural e assegurarmos seu uso responsável para as futuras gerações.

Campanhas de conscientização sobre seus benefícios e usos, direcionadas à população em geral e aos profissionais da área de alimentação, também são essenciais.

Além de Hortas demonstrativas em instituições de ensino, pesquisa e extensão, aliadas ao apoio à produção familiar e à agricultura urbana, servirão como exemplos práticos e inspiradores. Facilitar o acesso às PANCs em feiras livres, mercados municipais e supermercados, além de incentivar a criação de cooperativas e agroindústrias especializadas, garantirá sua viabilidade econômica e disponibilidade para todos.

Redator Chefe

Redator Chefe

Marcelo Vicente de Souza
Mestre em Política Social | Universidade de Lisboa

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